segunda-feira, novembro 20, 2006

Sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez

António Paracana
Advogado, militante do Partido Socialista


A 19 de Outubro de 2006 foi aprovada na Assembleia da República a proposta do Partido Socialista para a realização de um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. A pergunta a submeter aos portugueses é:

“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

Todos nós vamos ser de novo chamados a pronunciarmo-nos sobre esta questão, que não pode nem nos deve deixar indiferentes.
E é imperioso que em nome de um exercício de afirmação inequívoca de cidadania, participemos em mais um momento de grande importância de demonstração e, simultaneamente, de consolidação da democracia.
Para isso há que expressar nas urnas, de forma livre e consciente, a posição que cada um de nós assume em tão importante quanto sensível matéria.
Importa, antes de mais derrotar a ABSTENÇÃO.
E nesse combate contra a abstenção gostaria de vos deixar a minha posição: votarei SIM no referendo.
Não pretendo com ela hostilizar nenhum dos sectores, mais ou menos conservadores da sociedade, que tenham posição diversa da nossa.
Tão pouco pretendo lançar uma daquelas intermináveis discussões a propósito do início da vida ou sobre concepções morais, filosóficas ou religiosas que abordam este tema.
Entendemos que acima de tudo estamos perante uma questão jurídica, que cai no âmbito da política criminal.
Urge sairmos do pelotão dos países que estabelecem os regimes penais mais restritivos em matéria de IVG (Malta, Irlanda e Polónia) por forma a pormos fim ao aborto clandestino, bem como à ameaça de prisão e ao vexame do processo judicial que impende sobre as mulheres, garantindo a TODAS elas, sem excepção, por via desta alternativa legal, que quando o pratiquem, o façam em condições de dignidade e sem risco para a saúde.
Não se trata de fazermos a apologia do aborto. O aborto não é nem pode ser encarado como um método contraceptivo ou como um meio de controlo de natalidade.
Não está, pois, em causa a despenalização ou liberalização pura e simples do aborto como alguns paladinos da verdade, de má fé, proclamam.
O SIM ao referendo traduzir-se-á numa alteração legislativa, por via da qual se “alarga”, de forma equilibrada e razoável, o leque das situações já contempladas no artº 142º do Código Penal.(1) Com efeito para além das situações já ali previstas, a interrupção da gravidez também deixa de ser punível, desde que por opção da mulher, seja realizada até às dez semanas de gravidez e em estabelecimento de saúde autorizado.
Ao invés, o não ao referendo, significa a manutenção de uma situação de verdadeira perseguição, por motivos ideológicos, religiosos ou convicções pessoais, a quem pense de forma diversa. Para além de promover a manutenção de desigualdade entre mulheres de estratos sociais diferentes. As que têm possibilidades económicas recorrem à IVG nos hospitais de países europeus onde a mesma é legalmente admissível, enquanto que as outras a praticam em “vãos de escada” em situação de grande risco e perigosidade.
Com aquela alteração à lei penal, o Estado não adere, não professa nem defende uma qualquer concepção moral ou religiosa.
Limita-se a permitir que cada cidadão faça a sua escolha de ordem moral, ideológica ou religiosa. EM LIBERDADE.
Eu VOTO SIM no referendo.


(1) art. 142 º do Código Penal (Interrupção da gravidez não punível)

1. Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida:
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congé­nita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, com­provadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo.
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

2. A verificação das circunstâncias que tornam não punível a inter­rupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem. ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.

3. O consentimento é prestado:
a) Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias rela­tivamente à data da intervenção; ou
b) No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquica­mente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.

4. Se não for possível obter o consentimento nos termos do número anterior e a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu também votarei e votarei SIM
Concordo com quase todas as razões aduzidas neste excelente artigo do meu amigo Paracana.
Apenas alguns considerandos e percepção interior algo diferente que passo a tentar explicar.
Quanto aos considerandos: acho que já vai sendo tempo de se terminar de vez com esta "história" que, ao fim e ao cabo, é do foro íntimo das pessoas e que por isso não faz muito sentido que se continue sempre a tergiversar a este propósito.
O outro considerando é porque entendo que não faz qualquer sentido continuar a acusar-se, ou a poder ecusar-se, alguém que interrompa uma gravidez! (Estou como o autor, mão me importa muito a discussão filosófica de quem é quem!)
A minha convicção íntima é que é um falso problema o tentar justificar o Sim, com a afirmação de que desta forma a interrupção da gravidez deixaria de ser clandestina e bla,bla,bla!
Não é verdade porque o aborto clandestino é clandestino também por vergonha de quem o pratica e não só por razões económicas! E isso vai demorar um tempo a passar.
Na minha vida profissional conheci casos de mulheres que fizeram abortos e que votam não!
Finalmente, também não será verdade tão cedo, que o aborto se passe a dazer nos Hospitais, pois além destes não terem capacidade de resposta, não vejo como poderão ter obrigação uma vez que não sendo, nestes casos, o aborto, uma situação de doença, a tal não poderão ser obrigados.

Anónimo disse...

Meus caros amigos e amigas é altura de dizer basta! É altura de votar a favor da Interrupção Voluntária da Gravidez!.Chega de dizer que o problema é da Mulher! O problema é de todos nós, Homens e Mulheres ! Chega de fazerem abortos sem condições porque se o Não fôr de novo para a frente como certas Mentalidades desejam que aconteça continuarão a morrer diáriamente Mulheres no nosso País nos vãos de escada só porque não têm condições monetárias de ir a Espanha fazer o aborto em clínicas com todas as condições .
VOTAREI SIM NO REFERENDO SOBRE A INTERRUPÇÂO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ!